LUTO EM ACARI: Faleceu nesta manhã Pedrinho de Eliza


Eliza e Pedrinho

Obs.: Texto retirado do Blog de Jesus de Miúdo


Atendendo a um pedido especial, volto hoje com a postagem que fiz no dia vinte de fevereiro de dois mil e cinco. A minha grande satisfação é escrever sobre as pessoas que conheci e que me ensinaram a amar, admirar, respeitar, confiar, ser paciente... Quer sejam do passado, ou do presente. Gente simples, ou mesmo importante, mas que se fez presente em minha vida e na história de Acari. E nesses meus trinta e três anos, bem vividos, não foram poucas as pessoas que me impressionaram com alguma coisa marcante. Se eu pudesse erguer um obelisco em memória deles e ao lado de cada nome escrever a narrativa de sua vida, seus gostos, seus gestos, suas lutas, seus sucessos, seus dissabores... Sei que alcançaria a altura do primeiro céu. Outro dia eu conversava com ‘seu’ Antônio Medeiros, e chegamos à conclusão que gente dessa cepa já não se encontra mais tão facilmente pelas ruas. Está escasso cada dia mais e mais. Tudo hoje é muito, digamos, profissional ou igual. Parece que não há mais individualidade nas pessoas. Mas guardo muitos, emoldurados individualmente num quadro de ouro e pregado na parede do meu coração. Cada um no seu campo, divididos por atividades ou jeito de viver, não importando quanto trouxeram ou trazem em seus bolsos, tampouco o sobrenome que carregam. E das diversas atividades, há uma forma de vida que alguns escolheram e passaram a praticá-la, sem a vergonha que sente a maioria: Pedir para sobreviver. “É sempre melhor que roubar”, já ouvi da boca de muitos. Mas sei o quanto é humilhante! E me lembrando disso, não pude deixar de homenagear neste espaço Eliza e Pedrinho Madrugada. Não há em nossa terra quem não tenha carinho por esse casal. Pedrinho sozinho animaria uma festa com sua orquestra de um músico só e cinco instrumentos, que ele tocava todos de uma vez, executando uma música imaginária em seu ritmo único, sua alegria que não findava, sua lealdade aos amigos, seu jeito educado para não dizer tímido, apesar de tudo. Mas um dia ele abandonou Eliza e seguiu caminho com outra companheira, só retornando para a primeira muitos tempos depois, para juntos terminarem os dias de vida. Eliza, que os maus-tratos da vida levaram para o alcoolismo, deixou que lhe colocassem um apelido que ela, quando chamada por ele, se ofendia. E da condição de pedinte, se fez levar para a de louca também. Respondia com palavrões censuráveis ao ser chamada de ‘Soda Preta’. Daí logo os meninos inventaram de gritar-lhe o apelido num certo ritmo, depois bastava assobiar esse ritmo e os palavrões já eram ouvidos. Alguns adultos, que penso alcançam tal posição apenas no físico, mas continuam crianças néscias em suas índoles, também faziam parte disso. Quando comprei uma mercearia, em 1989, logo no primeiro sábado recebi a visita de Eliza. Dei-lhe um pacote de café e ganhei a sua visita todos os sábados, sempre com o mesmo intento. Sorria e me reconhecia na rua. Chamava-me pelo meu nome, mas trocando o primeiro ‘s’ por um ‘j’. Num sábado à tarde insistiu comigo para ganhar não um, mas dois pacotes de café. Eu perguntava o porquê, mas ela só ria e não me dizia, e eu desconfiava que ela o quisesse para trocar por aguardente. De tanto insistir, acabou recebendo e deixou a mercearia com o seu passo curto, mancando da perna direita, amparada num cabo de vassoura que lhe servia de bengala. Saiu numa direção que não era aquela que usava de costume. Uma grande desconfiança travestida de curiosidade se apossou de mim, e eu resolvi seguir Eliza. Tomou o rumo da rodoviária e eu fiquei de espreita. Para a minha surpresa, vi quando ela chegou devagar, colocou a mão no bisaco que sempre levava a tiracolo e puxou um pacote de café. A mão que recebeu a dádiva pertencia a uma senhora que estava ali sentada e rodeada por cinco pequenas crianças. Vi a bondade de Eliza e aprendi naquele momento nunca pré-julgar ninguém. Hoje Eliza está recolhida numa cama na casa da filha. Já não sai à rua. Também não bebe mais. Visitas? Infelizmente não as tem. Nem daqueles que se alegravam tanto, quando lhe viam aperreada. Pedrinho de Eliza... Eliza de Pedrinho... Estão gravados em nossas memórias, emoldurados em meu coração... No seu também. Bom, gente, ambos ainda estão vivos e hoje se recolhem cada um em sua própria cadeira de rodas. Moram com a filha Teresinha, que lhes trata bem, lá n’O Outro Lado do Rio. (Colaboração na foto de Ademar Eduardo) 


Fonte: www.acaridomeuamor.nafoto.net

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