"Cartas para a nação Seridó". Por Paulo Balá

No consultório de Paulo Bezerra, fotos, pinturas e painel reforçam suas ligações com o Seridó

No consultório de Paulo Bezerra, fotos, pinturas e painel reforçam suas ligações com o Seridó.
Paulo Bezerra é daqueles seridoenses à moda antiga, que gostam de uma boa prosa e de exaltar as qualidades da região onde nasceu. Médico e escritor, do alto de seus 80 anos, Paulo Balá, como é mais conhecido entre seus pares, corre contra o tempo para registrar as lembranças de um tempo que não volta mais; tempos quando a mula era o principal meio de transporte do sertanejo e todos se conheciam pelo nome. Nesta quarta-feira, às 18h, ele lança nova coleção de cartas compiladas no livro “Cartas dos Sertões do Seridó – 4º livro” (206 páginas, R$ 40). O autor autografa a publicação na livraria Saraiva do Midway Mall.
“A civilização do Seridó veio na pisada do boi, subindo sertão adentro a partir de Pernambuco, no matulão dos cristão novos vindos da Ibéria”, disse Paulo, explicando as origens da ‘nação’ Seridó. “Lá as cidades são limpas, o povo é diferente. Não se vê sujeito mal-amanhado, podem usar roupa velha mas todas limpinhas. O bioma do Seridó não existe outro igual no mundo”, garante. Sobre saudade, Balá contou que a maior de todas é a falta dos amigos “da mocidade”: “Hoje chego em Acari e não encontro quase ninguém conhecido”, lamenta. De uma família de dez irmãos, é o único vivo. “Essas cartas são a forma que encontrei de imortalizar a memória e as tradições que estão se perdendo com o passar dos anos”, avalia.

O VIVER conversou com Paulo Balá na manhã de ontem, em seu consultório, ricamente decorado por quadros de arte Naïf e esculturas criadas por santeiros potiguares. Ao fundo, por trás de sua mesa, uma enorme fotografia toma conta da parede inteira: nela, a imagem da casa de sua fazenda em Acari conforta o seridoense e reforça a ligação com sua terra e sua gente. “Essa casa foi construída pelo meu tio-avô há uns 100 anos, e comprada por papai em 1935 por 21 contos”.

Quanto aos escritos de Paulo balá, são todos baseados em memórias e histórias que ouvia do pai e da mãe, fatos que se relacionam com o Seridó – e principalmente com Acari. “Tem muita pesquisa. Meu pai contava muitas coisas do tempo de antigamente e eu, depois já de velho, vim descobrir que essas histórias tinham ficado gravadas dentro de mim. Então comecei a escrever essas lembranças. As cartas tem um fundo de verdade, nada de fantasia, o que está aqui é tudo verdadeiro, não sabe?!”.

As cartas publicadas no livro são recentes, de 2011 para cá, todas repassadas regularmente ao amigo jornalista Woden Madruga, colunista desta TRIBUNA DO NORTE, como um ritual: “Vou deixar lá na casa dele, que volta e meia publica na coluna. Sei que tem gente que compra o jornal no domingo só pra ver se tem carta minha”, diverte-se. 

Além dos textos, o livro traz muitas fotos antigas que contextualizam o que é contado pelo autor. Todas as cartas são assinadas com a heráldica utilizada por Balá para marcar o gado de sua fazenda em Acari. Uma das cartas, “De ferro de marcar”, identifica os principais “riscos” utilizados no gado da região. “Passo de três a quatro meses para concluir uma carta dessa, aquilo fica passando na minha cabeça e tenho que sair perguntando a um e a outro como era, como não era. Hoje em dia está difícil encontrar alguém que saiba, que tenha sido testemunha ocular ou que tenha pelo menos ouvido falar sobre determinado assunto”, destaca. 

O prefácio é de Sanderson Negreiros e a orelha traz assinatura de Carlos Newton Júnior. “Esse é quarto livro da minha prosopopeia e já comecei a fazer o quinto, temos umas cartas escritas e outras já pensadas”. Ele disse que em Acari, “tudo quanto é retrato ou papel velho que encontram trazem logo pra mim, perguntam se sei quem é”, orgulha-se. 

Sobrenome

Paulo contou que Balá era um apelido de seu pai, “de quando ele ainda era menino de escola”. E o apelido pegou: “Pegou em mim, tenho outro filho Balá, já tem muita gente aqui em Natal e em Acari como Balá, foi incorporado”. O autor contou que ninguém ainda registrou oficialmente como sobrenome, mas ele acredita que logo vão começar a fazer isso para se criar um novo ramo da família. “Igual Juvenal Lamartine de Faria (1874-1956), que passou o Lamartine para frente e virou nome de família, não sabe!? Lá em Acari mesmo tem a família Brás, a família Salustino”.

Igreja de Acari

Uma das cartas do livro é dedicada à igreja matriz de Acari, Nossa Senhora da Guia. Paulo Balá conta que a igreja tinha duas inscrições de data na fachada: uma de quando a primeira capela foi construída (1737) na cidade, a única capela que ainda está de pé na região do Seridó e hoje tombada pelo Patrimônio Histórico; e a segunda com a data de criação da freguesia, distrito da paróquia, em 1835. “Hoje só restou a data de conclusão da igreja, em 1863. Porque um padre chegou por lá e achou por bem fazer uma reforma arrancando do frontispício parte daquela história”. O autor contou que em dia de festa da padroeira, junta gente de toda região, “umas três ou quatro vezes a população de Acari”: “Percentualmente dá mais gente que a Festa de Sant’ana em Caicó”.

Cartas, por Paulo Balá

“De Jumento”: escrevi essa carta para contar como o jumento chegou no sertão, pra que ele serve; 

“De velha amizade”: falo de amigos que tinha em Acari;

“De corte de pedra”: mostro como se corta pedra para fazer meio fio, paralelepípedo, uma estátua, um monumento;

“Dos mestres de antigamente”: mestre professor, pedreiro, o mestre de música, os mestres daqueles tempos;

“De burra de sela”: era o transporte antigo do povo, todo camarada que se prezasse tinha uma burra boa de andar que era bem tratada;

Serviço: Lançamento de “Cartas dos Sertões do Seridó – 4º livro” (206 páginas, R$ 40), de Paulo Balá Bezerra. Hoje, às 18h, na Livraria Saraiva do Midway Mall.

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